quinta-feira, 20 de outubro de 2016

A esquerda frente a derrota

https://espacoacademico.wordpress.com/2016/10/12/a-esquerda-frente-a-derrota/

Uma análise completa das eleições municipais de 2016 só poderá ser feita após o segundo turno, que ocorrerá em 55 municípios, dentre os quais 18 capitais (ver lista completa no anexo 1). Entretanto, é sintomático que na maior parte destes 55 municípios a disputa se dê entre candidaturas de partidos que apoiaram e/ou cujas bancadas votaram majoritariamente no impeachment. É sintomático, porque, para além da dimensão municipal, estes números revelam qual o sentido nacional das eleições de 2016: a derrota da esquerda, em especial do PT; a vitória da direita, em especial do PSDB.
Em números globais, o PSDB foi de 14.074.121 de votos em 2012 para 17.612.606 de votos em 2016; ou seja, um crescimento de 25% que o posicionou como o partido mais votado nas eleições deste ano.
O PMDB governará em maior número de cidades, mas perde em número de eleitores. O PSD governará no mesmo número de cidades que o PSDB, mas também perde em número de eleitores.
Já o PT caiu de primeiro lugar em 2012 para quinto lugar em 2016: recebeu este ano 6.822.964 votos, 61% a menos do que em 2012, quando recebeu 17.448.801 de votos. E caiu de 3º para o 10º lugar em número de cidades governadas. O PT venceu o primeiro turno em 256 cidades e vai disputar o segundo turno em 7. No melhor dos casos, a partir de 1 de janeiro de 2017 governará 263 municípios. A série histórica é a seguinte: 1982, 2; 1985, 1; 1988, 38; 1992, 54; 1996, 116; 2000, 187; 2004, 409; 2008, 558; 2012, 635. Portanto, em número absoluto de cidades, o resultado obtido pelo PT em 2016 é menor do que o obtido em 2004.
Quando se considera o número de eleitores inscritos nas cidades onde o PT venceu as eleições, o retrocesso é maior. Das cidades onde o PT venceu no primeiro turno, 196 cidades têm menos de 10 mil habitantes; e 151 tem entre 10 e 50 mil habitantes. Outras 31 cidades têm entre 50 e 150 mil habitantes. E apenas 31 têm mais de 150 mil habitantes, número que pode crescer se o PT vencer algumas das cidades onde está no segundo turno. Estes resultados são inferiores aos de 2004.
Quando se faz uma análise por estado, constata-se que há um único estado onde o PT governará mais cidades do que hoje: o Piaui. A derrota foi particularmente dura em São Paulo e em três outros estados, estes governados pelo PT: Ceará, Minas Gerais e Bahia, com significativa redução no número de prefeituras e de mandatos de vereador. Os estados do Acre e do Piauí, também governados pelo PT, apresentam outro quadro, que exigiriam análise a parte.
A derrota do PT também ocorreu na eleição de vereadores. O Partido elegeu 2.808 vereadores em 2016. A série histórica é: 1982, 118; 1988, 900; 1992, 1.100; 1996, 1.885; 2000, 2.482; 2004, 3.678; 2008, 4.164; 2012, 5.166. Ou seja: em 2016 o PT elegeu menos vereadores do que em 2004.
Se considerarmos o número de pessoas que moram em cidades governadas por prefeitos/as petistas, a derrota vira desastre. Em 2016 o PT governava cidades onde residiam 37,9 milhões de pessoas. A partir de 1 de janeiro, governará cidades onde residem 6,1 milhões de pessoas (não considerando possíveis vitórias no segundo turno).
Os números apontados até agora são suficientes para sustentar a seguinte conclusão, que pode ser confirmada ou não em 2018: do ponto de vista institucional o PT está recuando para o tamanho que tinha nos anos 1990, quando fazia oposição aos governos neoliberais encabeçados por Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.
A derrota eleitoral do PT em 2 de outubro de 2016 era absolutamente previsível. O partido venceu por muito pouco as eleições presidenciais de 2014. E o curto segundo mandato da presidenta Dilma foi caracterizado por uma política econômica que alienou parte do eleitorado que ainda apoiava as candidaturas petistas. Além disso, a operação Lava Jato, a campanha negativa cotidiana do oligopólio da mídia e as manifestações de massa convocadas por organizações de direita causaram um imenso dano na imagem partidária e ajudaram a criar o ambiente necessário para a aprovação do impeachment.
Foi neste ambiente que ocorreram as eleições municipais de 2016, ocasionando uma redução no número de candidaturas a prefeito e a vereador. Em 2012 o PT lançou 1.829 candidaturas a prefeito, em 2016 lançou 995. Em 2012 o PT lançou 40 mil candidaturas a vereança, em 2016 lançou 22 mil.
Em muitas cidades, o PT não dispunha de aliados com os quais pudesse fazer uma coligação eleitoral. Noutras cidades, o PT aceitou quaisquer aliados, inclusive legendas partidárias e candidaturas apoiadoras do impeachment. Em grande número de cidades, inclusive onde havia candidaturas a reeleição, a propaganda eleitoral petista escondia a estrela e o nome do Partido.
Embora principalmente, a derrota não foi só do PT. Foi também do conjunto da esquerda. O número de eleitores que no primeiro turno votou em partidos de esquerda foi menor hoje em termos relativos e em termos absolutos do que nas eleições anteriores.
O PCdoB reduziu seu eleitorado em 6%, de 1.882.526 para 1.767.051. O PSOL reduziu seu eleitorado em 13%, caindo de 2.400.892 para 2.097.623. O PSTU reduziu seu eleitorado em 56%, caindo de 178.607 para 77.952. O PCB reduziu seu eleitorado em 47%, caindo de 46.107 para 24.501. A exceção é o PCO, que cresceu 33%, indo de 4.284 para 5.689 votos.
Olhando o conjunto do resultado, percebe-se uma pulverização de vitoriosos (ver anexo 2). Mas os fatos não confirmaram aquele discurso segundo a qual a derrota do PT seria acompanhada pelo fim da polarização entre PT e PSDB. Apesar do crescimento de várias direitas, cuja administração se tornará mais difícil na exata medida do enfraquecimento do inimigo comum de todas elas, o PT, é nítido que o PSDB é o grande vitorioso. E dentro do PSDB, a grande vitória é do setor liderado por Geraldo Alckmin. Vale dizer que são tucanos 10 dos 23 milionários eleitos para governar prefeituras em todo o país.
A derrota da esquerda e a vitória da direita, a derrota do PT e a vitória do PSDB, ocorrem ao mesmo tempo em que cresce a abstenção, o voto nulo e o voto branco. Os números de São Paulo capital são chocantes: João Dória (PSDB) teve 3.085.187 votos. Já a soma de brancos, nulos e abstenções alcançou 3.096.304 votos. Os números de Belo Horizonte também são chocantes: 38% do eleitorado de BH não votou em nenhuma das candidaturas a prefeito.
Em Porto Alegre, 382,5 mil eleitores e eleitoras não escolheram nenhum candidato no primeiro turno. Ou seja, um número maior do que o resultado obtido por Nelson Marchezan, que foi o mais votado e conseguiu 213,6 mil votos no primeiro turno.
Este talvez seja o maior êxito da campanha da direita: reduzir os votos válidos, através da criminalização da política e dos políticos (ver os anexos 3, 4 e 5). Por quais motivos isto ocorreu? O que mudou entre 2012 e 2016, que causou mudanças no comportamento do voto popular?
A principal mudança ocorrida neste período, que pode responder ao menos parcialmente as perguntas feitas no parágrafo anterior é: nesse intervalo, a esquerda brasileira, destacadamente o PT, cometeu erros que alienaram parcelas importantes do povo e que facilitaram os ataques e as vitórias da direita.
O resultado da eleição confirma, aliás, que a eventual adoção do voto facultativo não favorece a esquerda. A esquerda vence quando cresce a participação popular e perde quando o povo participa menos dos processos eleitorais. O resultado da eleição mostra, também, que o financiamento empresarial privado continua presente nas disputas eleitorais. O que, associado ao oligopólio da mídia, prejudica enormemente as candidaturas de esquerda. Como alguém já observou: depois de três anos e nove meses de “propaganda negativa”, de que adiantam três meses de horário eleitoral gratuito?
Qual o desafio da direita, no novo cenário? Aproveitar o resultado eleitoral para legitimar o impeachment e para acelerar a implementação do programa da “ponte para o futuro”. Qual o desafio da esquerda, no novo cenário? Compreender o ocorrido e adotar as medidas para reverter a derrota.
Dentre as várias causas da derrota do PT, a principal é a mesma que tornou possível o impeachment: perda de apoio na classe trabalhadora. Uma parte menor dos que apoiavam o PT segue apoiando. Outra parte menor votou em candidaturas de esquerda, não-petistas. Uma parte maior passou a votar em candidaturas de centro e direita. E uma parte também maior reforçou as fileiras do voto branco, nulo e da abstenção.
Se o PT quiser reverter a derrota, precisa entender por quais motivos perdeu influência na classe trabalhadora e nos setores populares. Uma das explicações possíveis está na moderação programática e na adaptação ao jeito tradicional de fazer política. Vale dizer que a esquerda brasileira já sofreu derrotas piores do que as de 31 de agosto e de 2 de outubro de 2016. No passado não muito distante, a esquerda enfrentou assassinatos, desaparecimentos, torturas e golpes militares.
Vale dizer, por outro lado, que notícias piores poderão vir, pois a direita brasileira vai redobrar sua ofensiva contra o PT e o conjunto da esquerda, contra os movimentos sociais e sindical, contra suas lideranças, contra os direitos sociais e as liberdades democráticas.
Por estes motivos, caberá ao PT um papel insubstituível: o de realizar um balanço do ocorrido e de reagir à ofensiva da direita. Caso o PT não consiga isto, no curto e talvez mesmo no médio prazo nenhum outro setor da esquerda conseguirá. O PT conseguirá? Esta é a grande questão, que os que são petistas estão chamados a responder.

2 comentários:

  1. Professor Pomar, algum comentário seu sobre o envolvimento do partido em casos de corrupção ?

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  2. Mas os números que você mesmo maneja não evidenciam exatamente o contrário do que você afirma, que o PT cresceu eleitoralmente justamente pela moderação programática e pela adaptação as regras do jogo político tradicional, como atestam o crescimento do partido a partir de 2004?

    Não foi justamente essa capacidade (ampliada) de influir em amplos setores populares e da classe trabalhadora como atestam as últimas quatro vitórias eleitorais e portanto não o erro mas o acerto daquela estratégia a razão de ser para o contra-ataque da direita e da oposição ao PT que finalmente os empurrou ao Golpe?

    Como diz Machiavel as necessidades podem ser muitas, mas a mais forte é aquela que te obriga a vencer o morrer. A direita escolheu vencer. Nós não fomos capazes de ver a guerra que se avizinhava e de reagir a tempo. Esquecemos que uma derrota pode fazer com que todas as coisas que tenhamos feito bem antes, sejam inúteis.

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